A presença de uma delegação da Venezuela é uma das novidades da 16ª Cúpula do BRICS, que teve início nesta terça-feira (22/10), na cidade russa de Kazan.
Um dos integrantes da comitiva venezuelana é o ministro da Comunicação do país, Freddy Ñáñez, que concedeu uma entrevista exclusiva a Opera Mundi.
Questionado sobre a possibilidade do Brasil não aceitar a adesão da Venezuela como futuro membro dos BRICS, o ministro venezuelano preferiu a saída diplomática, disse que seu país também faz parte do Sul Global e que todos os membros do grupo são irmãos. “Sempre apostamos em mecanismos de unidade e integração latino-americana, bem como o nascimento de um mundo multipolar”, disse.
Ñáñez enfatizou a importância do ingresso da Venezuela no BRICS e fez questão de citar os discursos de Hugo Chávez em conferências da Organização das Nações Unidas (ONU), no qual o iniciador da Revolução Bolivariana defendia a “construção de um novo mundo”.
“Para nós, o BRICS representa as relações de humanidade com apreço entre as nações que buscam a flexibilidade da cooperação econômica, a pluralidade política e o respeito mútuo”, frisou.
Ele afirmou ainda que Nicolás Maduro considera os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, os dois dos maiores irmãos da Venezuela, por terem coragem de representar os seus povos através da preservação da memória histórica. “Nós agradecemos o convite do presidente Putin à nossa delegação, pois as nossas relações com a Rússia são de admiração e respeito. Devemos ao povo russo a libertação do mundo do nazismo. Foram eles que sacrificaram suas vidas pela libertação do mundo, diferente daquilo que Hollywood tenta nos contar”.
Sobre o fato de o governo brasileiro e também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não reconhecerem a vitória de Nicolás Maduro nas últimas eleições venezuelanas, Freddy Ñáñez preferiu dizer que “nada será capaz de impedir a integração do povo latino-americano”, e que “essa união tem como fundamento principal a descolonização imposta pela Europa e pelos Estados Unidos”.
“Na política temos momentos bons, de crise e de encontros. Nós amamos o povo brasileiro e reconhecemos a sua luta, pois estamos seguindo no mesmo caminho para a libertação absoluta do sul, porque formamos juntos o sul global. A Venezuela estará sempre disposta a construir mecanismos para que um mundo multipolar seja possível, integrando, fortalecendo e compartilhando a nossa história e nossos recursos naturais”, completou.
A Venezuela é o país com as maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo. Os dez países que compõem atualmente o BRICS possuem, juntos, mais de 40% de toda a extração mundial de petróleo, cifra que aumentaria enormemente caso a República Bolivariana fosse aceita no bloco.
Além disso, a cúpula de Kazan tem como um dos seus temas principais a criação de um sistema que permitiria a comercialização desses recursos naturais utilizando as moedas dos países membros, sem a utilização do dólar. Essa mudança poderia beneficiar a Venezuela, já que as sanções impostas ao país pelos Estados Unidos são estabelecidas através de um sistema de pagamentos internacionais baseado na moeda norte-americana.
Acordo com a TV BRICS
Em uma das reuniões na qual Freddy Ñáñez participou em Kazan, foi assinado um acordo de parceria entre a emissora estatal Venezuelana de Televisão (VTV) e a TV BRICS.
A celebração do contrato contou com a presença da CEO da TV BRICS, Zhanna Tolstikova, que também é cineasta. A parceria visa a troca de informações e a criação de conteúdos em conjunto através da estrutura oferecida pela TV BRICs à estatal venezuelana, que também contará com uma comunicação mais rápida com os profissionais dos outros países membros.
“Hoje tivemos o sonho de integrar a Venezuela nesta grande plataforma multinacional que é a TV BRICS. Seremos capazes de sustentar a voz dos povos do Sul Global para tornar a comunicação internacional mais democrática por meio de canais multilaterais que transmitam a nossa diversidade linguística e cultural. Essa é a melhor forma para que venezuelanos, russos, chineses e indianos evitem o preconceito da mídia”, disse o ministro.
Segundo Ñáñez, “o multiculturalismo e o respeito entre as nações que é proposto pelos BRICS significa a salvação da humanidade em todos os sentidos”.
“É por isso que para nós, todos os países BRICS são nossos irmãos. Queremos que esta cúpula contribua para o estabelecimento de um mundo multipolar”, completou.
Anteriormente, a TV BRICS havia lançado em seu site oficial uma versão em espanhol e uma filial de transmissão pela internet para noticiar, através dos seus correspondentes internacionais, os trabalhos dos países membros do bloco.
Em 2023, na 15ª Cúpula do BRICS – realizada em Johanesburgo, na África do Sul –, o presidente Nicolás Maduro já tinha enfatizado a importância em aprofundar as parcerias entre os principais meios de comunicação latino-americanos, como o canal TeleSUR e a TV BRICS da Venezuela.
A emissora VTV foi criada em 1964, sendo o único canal nacional do país a oferecer uma cobertura para mais de 82% do território nacional. Atualmente, a emissora conta com 24 horas de programação diária, sendo 75% dos seus programas transmitidos ao vivo em Caracas, sede principal do canal, além de uma rede com correspondentes espalhados em várias cidades do país.
Cúpula do BRICS
Confira trechos da entrevista com o ministro da Comunicação da Venezuela, Freddy Ñáñez:
Opera Mundi: Como avalia o posicionamento do Brasil em relação ao resultado das eleições na Venezuela?
Freddy Ñáñez: Na política temos momentos. Há momentos bons, de crise, de encontro, mas nada vai impedir a integração do povo, porque a união do povo latinomareicano se dá com uma longa história. Nós amamos o povo brasileiro e reconhecemos a sua luta, pois estamos no mesmo caminho, que tem como plano principal consolidar a libertação absoluta do sul, porque formamos juntos o Sul Global. Para a Venezuela o mais importante é que surja um mundo multipolar. Enquanto houver a possibilidade de construir mecanismos para que esse mundo multipolar seja possível, a Venezuela estará disposta a integrar, fortalecer e compartilhar a sua história, os seus recursos naturais e todo o potencial político e econômico que nós temos.
Acredita na narrativa de que o presidente Vladimir Putin está tentando construir uma união contra os países do Ocidente?
Creio que o que o presidente Putin está fazendo é construir um mundo mais livre, mais justo sem hegemonias, sem imperialismos e sem colonialismos. E é isso que todos os povos querem, ver os seus países livres em um mundo onde seja possível conviver e ter direito à autodeterminação, onde os países grandes não comam os países menores, mas os complementem. É a realidade mundial que necessitamos neste momento. Definitivamente, creio que um mundo maior que o Ocidente está nascendo.
A Venezuela busca ser um membro pleno nos BRICs ou apenas mais um parceiro seguindo outro formato de cooperação?
Os BRICS têm seus próprios processos e mecanismos que devem ser respeitados, entendidos e valorizados. Independentemente de quais sejam as categorias, a Venezuela já é um membro do Sul Global. Estamos dispostos em colaborar em qualquer cenário que seja com esse mundo novo que está surgindo. A Venezuela é uma potência petroleira energética que comporta o equilíbrio da humanidade e de parte do mundo. Temos uma longa história política e cultural para ser compartilhada. Por isso, para nós, o mais importante é que o BRICS se consolide, porque se isso acontecer, seremos capazes de criar o mundo multipolar que visamos. A Venezuela tem mais de 200 anos de luta. Se você buscar os documentos de [Simon] Bolívar, a missão sempre foi de integração da humanidade e do equilíbrio universal. É o que enxergava o comandante Chávez, que falou sobre isso nos fóruns internacionais pela construção de um mundo multicêntrico e plural. E é por essa unificação que Nicolás Maduro tem trabalhado desde o primeiro dia como conselheiro e agora como presidente.
Nosso trabalho a nível regional com a CELAC e com a Unasul visa sempre estabelecer relações de amizade, integração e união com as potências emergentes como a China, Rússia, Irã e Índia. Esses são países que têm demonstrado possibilidades em criar uma economia e um poder tecnológico sem que isso signifique formar um império ou um país expansionista ou colonialista. E essas são as relações que nos interessam, onde possamos contribuir de igual para igual. A Rússia é o maior país do mundo e trata seus parceiros com dignidade, respeito e igualdade.
E a China?
A China é a maior potência econômica do mundo e está construindo a rota da seda e o espaço de integração onde os países menores, médios e grandes importam. A Índia também tem uma política nesse sentido de abertura e integração. E os países do sul da África também têm demonstrado isso, são países que apostam em um mundo completamente diferente. O que vai acontecer nesse encontro de presidentes nesta Cúpula do BRICS é verdadeiramente importante porque nasce uma nova ordem mundial que já é iminente para um novo povo. Ela vai representar o equilíbrio e a possibilidade de resolver as diferenças e os problemas do mundo com harmonia, seja na política, na diplomacia ou no diálogo.
Como a nova ordem econômica do BRICS pode afetar a economia da Venezuela e da América Latina daqui para frente?
Eu creio que o BRICS representa uma alternativa para todos os países do mundo, mas, sobretudo, aos países que são injustamente bloqueados e sancionados pelo Ocidente. Há uma possibilidade de dialogar, negociar, e integrar com outras potências mundiais, que são potências que têm o mesmo valor, a mesma possibilidade de associação. Diferente do Ocidente, que não respeita e não nos trata como iguais, eles não têm a intenção de fazer ingerência política e muito menos desestabilizar o nosso país. Creio que a partir dessa Cúpula, a Europa, o Ocidente e os Estados Unidos serão confrontados para ajustarem e reformarem políticas com outros países do mundo. Já não vivemos no Século XVI, quando eles foram uma potência mundial que colonizaram o mundo. Hoje vivemos no Século XXI, onde o colonialismo não tem razão de ser, onde o imperialismo não é possível e onde a única alternativa de paz é reconhecer novas lideranças, novas polaridades, reconhecer que o mundo mudou e que deve seguir mudando nesse sentido da ordem mundial mais justa, respeitosa. Só existe paz perpétua se houver diversidade política e cultural, respeitando as nações do mundo.